HomeEMDRO que é EMDR? – por Francine Shapiro

O que é EMDR? – por Francine Shapiro

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TERAPIA DE EMDR

Francine Shapiro, PhD

Traduzimos recente artigo da Doutora Francine Shapiro, publicado na revista da Sociedade Internacional para estudos de Estresse Traumático.

A terapia de EMDR – sigla em inglês para Movimento Ocular, Dessensibilização e Reprocessamento – é uma abordagem psicoterapeutica de oito fases que enfoca o sistema fisiológico de processamento na origem e no tratamento de problemas de saúde mental (Shapiro, 2001). Sua base teórica é o modelo de Processamento Adaptativo de Informação (PAI), no qual a fonte primária da psicopatologia é a presença de memórias de experiências adversas de vida que foram processadas de maneira inadequada. Essass memórias armazenadas de forma inapropriada, que incluem percepções, sensações, crenças e emoções ocorridasque ocorreram na ocasião do evento adverso de vida, podem ser disparadas por estímulos atuais internos e externos, contribuindo para uma situação disfuncional no presente. Esse estudoimodelo modelo foi desenvolvido no começo da década de 1990 e, desde então, tem sido validado por pesquisas que demonstram o papel desempenhado por eventos perturbadores na gênesis de várias formas de sintomatologia psicológica e somática. (Affifi et al., 2012; Felitti et al., 1998).

Com base em ampla pesquisa (cerca de 25 Ensaios Controlados Randomizados – RCTs) que demonstrando sua eficácia, o EMDR foi oficialmente reconhecido como tratamento de trauma empiricamente validado em diretrizes práticas estabelecidas em todo o mundo. (para uma lista comendada de pesquisa e diretrizes veja o http://www.emdrhap.org/content/what-is-emdr/research-findings/…). Mais recentemente, as orientações da Organização Mundial de Saúde (2013) indicou que a terapia cognitiva comportamental (TCC) e o \EMDR são as únicas terapias recomendadas para crianças, adolescentes e adultos com TEPT (Transtorno de Estresse Pós-Traumático)*. Entretanto, foram destacadas algum as diferenças claras: “Como a Como a TCC com foco no trauma, o EMDR tem como alvoobjetivo reduzir o desconforto subjetivo e fortalecer cognições adaptativas relacionadas ao evento traumático. Por outro lado, CcContrariamente ao mesmo tipo de TCCTT com foco no trauma, o EMDR não envolve: a). descrições detalhadas do evento; b). desafio direto de crenças; c). ampla exposição; ou d. dever de casa. TaisEssas diferenças de procedimento salientam as nuances teóricas de ambas terapias. Por exemplo, de acordo com o modelo PAI, os comportamentos disfuncionais e as crenças pessoais, como por exemplo “eu não tenho valor”, não são vistas como a causa da psicopatologia, mas sim como manifestações de memória não processada arquivadaarmazenada, juntamente com as sensações físicas e afetivas a ela associadas.

A terapia de EMDR aborda o quadro clínico por meio de uma série de procedimentos padronizados (veja Shapiro 2001). Neles estão incluídos o Esses incluem, levantamento da história clínica, a estabilização e as fases para identificar e processar os seguintes elementos: a). as memórias de determinadoe evento adverso do cliente que estão por trás dos sintomas atuais; b) as. circunstâncias atuais que disparam o desconforto psicológico e c). as ferramentas necessárias para umo comportamento adequado no futuro. Durante o processo, o cliente é orientado a acessar a memória de uma certa maneira, e mantê-la em mente por pouco tempo enquanto é submetido a uma à estimulação de atenção dual bilateral. Essa estimulação é normalmente feita por meio do movimento lateral dos olhos, mas pode também tomar aser feita na forma de estímulos táteisicos oue auditivos. Apesar de o uso de movimentos oculares terem gerado alguma polêmica no passado, uma meta-análise realizada recentemente (Lee & Cuijpers, 2012) de 26 ECRs confirmouaram seus efeitos positivos, incluindo a rápida redução de memórias perturbadoras e ade nitidez das visualizações. Outros dez ECRs demonstraram aumento da flexibilidade de atenção, reconhecimento de informação verídica e recuperação de memória episódica como resultado dos movimentos oculares. Duas hipóteses que foram confirmadas porela pesquisas apontam que os movimentos oculares: a). acessam a memória de trabalho e b. iniciam o processamento de memória da mesma forma como ocorre no sono REM. Como é apresentado na transcrição do cliente trazida em seguida, durante o processamento de EMDR, a informação corretiva é espontaneamente gerada durante os conjuntos de movimentos oculares. Nesse momento, o cliente vivencia insights, emoções, crenças e respostas físicas positivas, enquanto que os sintomas presentes desaparecem. Em resumo, o evento perturbador torna-se tanto uma experiência de aprendizado como a base para uma futura resiliência.

Para ilustrar uma sessão de terapia de reprocessamento por EMDR, apresento a seguir uma descrição parcial relativa a um tratamento de uma ferida moral. “Jim” é socorrista do exército, com duas passagens no Iraque, que apresentava TEPT devido a dez eventos perturbadores relativos à guerra. Ele foi tratado com a terapia de EMDR durante cinco dias consecutivos, duas vezes por dia. O incidente final enfocado para o reprocessamento relacionava-se com o desdobramento de uma tragédia envolvendo várias vítimas, quando uma tropa do exército americano foi atingida por uma bomba de fabricação caseira. Jim trabalhou juntamente com um colega para fazer uma triagem das vítimas, e acreditava ter falhado com o seu compromisso perante aqueles soldados por tê-los “deixado morrer”. Durante a Fase de Avaliação, na qual o evento é mensurado, ele relatou sentimentos de culpa, raiva e ansiedade e classificou-os, dentro da escala SUD (sigla de Escala de Unidades Subjetivas de Perturbação) de 0 a 10, como estando no grau “12” (“porque a perturbação era “tão intensa”). A cognição negativa presente em seu caso era: “Eu sou inadequado” (ocasionando a morte de pessoas). Ao passo que sua cognição positiva favorita, “eu sou eficiente” foi classificada no grau “2”, dentro da Escala de Validação das Crenças (de 1= completamente falsa, até 7 = completamente verdadeira). Ao ser pedido para escanear o seu corpo e identificar quaisquer sensações perturbadoras, Jim relatou sensações no peito e no estômago. A fim de se atingir aquela memória durante o reprocessamento, foi-lhe pedido que retivesse na mente a imagem que, para ele, melhor representasse o evento, a cognição negativa e onde ele sentia a perturbação em seu corpo. Após ser instruído para “deixar acontecer o que acontecer”, ele então responde, no final de cada série de movimentos dos olhos, à seguinte pergunta: “O que aparece agora para você ? ”. Dependendo da resposta do paciente, o terapeuta direciona o próximo foco de atenção de acordo com protocolos padronizados e aplica uma outra série de movimentos oculares (Shapiro, 2001). No caso específico, o processamento não foi interrompido e no final de cada resposta o terapeuta pediu que Jim “lembrasse daquilo” (de o que ele acabara de verbalizar). Na transcrição abaixo o sinal >>> indica que o terapeuta falou: “Lembre-se disso”, a seguir houve uma série de movimentos de olhos e depois a pergunta: “O que aparece agora para você ?” . Nós começamos a transcrição após a terceira série:
>>> “Socorristas têm uma responsabilidade única, se fizermos o nosso trabalho nós salvamos vidas e, se não, pessoas morrem.”
>>> “Se o Pete não me tivesse tirado de perto dele, eu ainda estaria tentando reanima-lo.”
>>> “Eu consegui mantê-lo com vida até chegarmos no hospital e os médicos falaram: “Ele se foi!” Eu fiquei furioso, tinha sangue por todo o corpo. Falei: “ Fiz tudo aquilo para isto!”
>>> “Pete me tirou de lá e falou: “Deixa para lá cara, vamos embora”.
>>> “Não me sinto com tanta raiva como antes”.
>>> “Até cirurgiões perdem pessoas”.
>>> “Eu fiz o que estava treinado para fazer, eu realmente salvei vidas de pessoas”.
>>> “É hora de deixar de me acabar por causa disso. A partir de agora eu estou determinado a parar de me torturar pelo que aconteceu.”

Ao final da sessão, o SUD de Jim caiu de “12” para “0”. Ele relatou um VOC (Validity of Cognition – validação das crenças ) “7” (completamente verdade) para a cognição positiva “Eu sou eficiente” e uma checagem corporal estável (sem perturbação física). Depois de uma semana de tratamento com EMDR, ele matriculou-se em um programa vocacional para se tornar um EMT (sigla em inglês para técnico de emergências médicas).

Como podemos observar acima, a informação corretiva que Jim necessitava para acessar sua memória durante o processamento emergiu espontaneamente a partir de aspectos esquecidos do seu trauma ou outros eventos de vida que já estavam armazenados em seu cérebro. Quando o processamento é interrompido, o terapeuta usa procedimentos padronizados para recuperar a informação. Esses efeitos do reprocessamento encontram ressonância com a pesquisa que indica uma redução substancial das taxas de TEPT entre os ex-combatentes no Vietnã e militares ativos das guerras atuais (veja Russel & Figley, 2012; Silver&Rogers, 2002).

Colegas terapeutas relatam que militares veteranos e ativos respondem particularmente bem à abordagem terapêutica de EMDR. Em sua avaliação (que também parece ser relevante para os civis vítimas de traumas múltiplos), isso ocorre graças a uma variedade de fatores, incluindo a possibilidade de processar memórias sem descrever o evento. Os veteranos de guerra que se sentem culpados ou envergonhados não são obrigados a verbalizar ou a concentrar-se nos detalhes. Além disso, os pacientes sentem que têm o controle da situação porque são orientados a usar o “sinal de pare” caso necessitem interromper o processamento. Eles podem então usar uma técnica de relaxamento e retomar o processamento quando estiverem prontos. A redução rápida da perturbação emocional durante o processamento de uma memória alvo, ilustrada nessa transcrição, é típica na terapia de EMDR. A atenção relativamente breve e dosada dirigida ao evento empregada na abordagem associativa do EMDR permite que a memória seja acessada de forma segmentada e administrável, resultando na redução de perturbação durante a sessão e assim culminando com o ex-combatente mantendo uma sensação de segurança e estabilidade.

Resultados eficazes, em um breve período de tempo, incluindo a generalização dos efeitos positivos do tratamento para memórias semelhantes, aumentam a esperança dos veteranos e a motivação para o tratamento. Ademais não é necessário fazer o dever de casa para atingir resultados terapêuticos positivos. Consequentemente, toda a exposição da memória ocorre na presença reguladora de afetos do terapeuta. Isso ajuda o paciente a sentir-se seguro durante o processo, mesmo quando o veterano vir o mundo como um lugar inseguro. O tratamento abrangente de militares atende a todos os aspectos do quadro clínico.

Entretanto, quando necessário, o alívio rápido de sintomas individuais pode ser atingido de forma eficiente. Os distúrbios do sono podem ser tratados por meio do processamento com EMDR focalizando diretamente os pesadelos; bem como a dor de um membro fantasma pode ser substancialmente reduzida ou eliminada ao se focar nas sensações físicas. As altas taxas de sucesso relatadas por colegas em quatro artigos publicados (veja Shapiro, 2014a) indica que a dor do membro fantasma em geral não um indicativo de neuropatologia, mas sim um componente da história traumática que pode ser eliminado por meio de processamento. ECRs futuros com pessoal militar podem aprofundar o tratamento dessa questão, bem como os efeitos do tratamento de TEPT com ou sem injúria moral. Já que não é necessário qualquer dever de casa, as sessões de terapia de EMDR podem ser conduzida diariamente, o que permite a conclusão do tratamento em uma ou duas semanas, em vez de meses. Portanto, os ECRs com pessoal militar podem ser conduzidos de forma eficiente.

Haja vista as altas taxas de traumas em todo o mundo e as consequências drásticas para os indivíduos, famílias e sociedade (veja Carriere, 2014; Shapiro, 2014b), é vital que terapias breves e com suporte empírico sejam amplamente disseminadas. A possibilidade de completar o tratamento em pouco tempo por meio de sessões diárias, sem a necessidade de dever de casa ou descrições detalhadas, tem permitido que os terapeutas de EMDR ofereçam tratamentos eficazes culturalmente adaptados após desastres naturais ou provocados pelo homem em todo o planeta (e.g., Mehrotra, 2014; veja Shapiro, 2014b). Programas humanitários voluntários, com o uso de protocolos individuais e de grupo, têm sido implementados por associações de EMDR nos EUA, Asia, Oriente Médio, Europa, América Latina e partes da África.

Colegas relatam que como não são necessárias descrições detalhadas do trauma, a terapia de EMDR é palatável para membros de culturas menos permeáveis, bem como para aqueles que podem sentir vergonha ou culpa devido à guerra ou trauma sexual. Em poucas culturas (eg Polinésia), são recomendados sons ou toques bilaterais, já que os movimentos oculares podem ser interpretados como falta de educação ou “magia”. Em algumas culturas, expressões verbais de auto-declarações positivas são consideradas inapropriadas. Nesse caso, o terapeuta pode acessar a informação perguntando: ”O que o membro mais antigo da tribo pensaria a respeito?”. Em outras culturas, as vítimas de trauma sempre se esforçam para conectar seus estados emocionais e cognitivos. Tornou-se claro é que a maioria desses pacientes fica mais confortável ao expressar sua dor emocional por meio de referência a seus corpos do que de forma verbal. Nesses casos, o componente cognitivo fica reduzido e a atenção do paciente volta-se para sua experiência física. Desenhos, fotografias e músicas são também usados para o reprocessamento eficaz de populações com baixo nível de alfabetização.

Os terapeutas que trabalham com populações de refugiados alertam que é importante esclarecer que o EMDR poderá ajudá-los com os sintomas e sumir com a dor, mas não com suas memórias. Essa população sempre teme perder as lembranças de seus parentes, sejam eles vivos ou mortos, já que as memórias são tudo que lhes restaram. É útil considerar que os refugiados frequentemente foram vítimas de tortura, estupro ou grande perda, e a maioria deles veio por mar após uma viagem terrivelmente perigosa. Os colegas salientam que é recomendável oferecer tratamento de EMDR para essa população em dias consecutivos, já que protocolos de grupo e individuais minimizam as descrições e apresentam reduções imediatas de perturbações. Resultados rápidos também foram relatados para vítimas de abuso sexual em todo o mundo. Por exemplo, vítimas de estupro foram tratadas com sucesso em três sessões na República Democrática do Congo com o uso de protocolos individuais e de grupo. Importa notar ainda que essas vítimas, de forma consistente, a redução simultânea de dor abdominal e na coluna após o tratamento. Essas sensações físicas aparentemente estão localizadas em partes do corpo nas quais elas foram contidas de maneira forçada. Os resultados do processamento são consistentes com a mencionada diminuição da dor do membro fantasma por meio da terapia de EMDR.

Quando a terapia de EMDR é executada com o uso de parâmetros clínicos apropriados, a eficácia é alta e os índices de resistência baixos. A meta-análise (Maxfield & Hyer, 2002) de ECRs com EMDR revelou uma correlação positiva entre a eficácia da terapia e a fidelidade ao tratamento. A meta-análise (Bradley et al., 2005) indicou uma taxa mediana de conclusão de 92% para os ECRs de EMDR. Estudos citados como prejudicados baseados “duração da dosagem de treinamento questionavelmente adequada e-ou fidelidade” no ISTSS Diretriz Prática de 2000 indicam a necessidade de se administrar de forma apropriada um número suficiente de sessões para clientes com múltiplos traumas. Os exemplos incluem um rigoroso estudo DVA ( Departamento para os Ex-Combatentes dos Estados Unidos) de 12 sessões que relatou desistência zero e 78% de redução do TEPT quando comparada com resultados fracos relatados em estudos militares que usaram apenas duas sessões, e uma DoD (Ministério da Defesa)/DVA avaliação de treinamento na qual são mencionados diferentes tempos de tratamento para soldados feridos e não feridos (Russel et al. 2007). Enquanto as perturbações emocionais podem ser reduzidas para uma memória alvo individual ao longo de uma ou duas sessões de EMDR, mais tempo de tratamento é necessário para a remissão de TEPT em casos de traumas múltiplos.

O ECRs têm relatado alta taxa de remissão de TEPT (84-90%) em vítimas de trauma único após três sessões de 90 minutos. Sessões de 50 minutos também podem ser realizadas, como indicado no estudo Kaiser Permanente que relatou uma taxa de remissão de 100% com trauma único e 77% para sobreviventes de trauma múltiplo após uma média de seis sessões. Os achados científicos realçam a necessidade de se oferecer tempo de tratamento e atenção suficientes para tratar questões complexas. Por exemplo, uma ECR com o uso de oito sessões de terapia de EMDR relatou altas taxas de remissão de TEPT para ambos grupos de adultos (91,7%) e crianças (88.9%). Entretanto, houve uma diferença pronunciada no funcionamento final assintomático, que destaca a importância do tratamento integral para tratar o quadro clínico total por meio do processamento de várias experiências adversas que contribuem para a psicopatologia (veja Shapiro, 2001, 2014). Os protocolos padronizados da terapia de EMDR guiam o terapeuta para identificar e processar os eventos adversos mas antigos que contribuem para a disfunção individual e relacional. O objetivo é ajudar a produzir um adulto saudável com a habilidade de se auto-tranquilizar, sentir uma ampla gama de emoções, ter uma atitude positiva, interagir e se relacionar adequadamente e se transformar em um membro da sociedade integral e produtivo.


SOBRE A AUTORA

Francine Shapiro, PhD, é a criadora da terapia de EMDR. Ela é uma pesquisadora sênior, no Instituto Mental de Palo Alto, Califórnia., fundadora dos programas de Recuperação do Trauma e Assistência Humanitária de EMDR, bem como Diretora Executiva do Instituto de EMDR.
O texto original pode ser encontrado no seguinte link:

http://sherwood-istss.informz.net/admin31/content/template.asp?sid=48003&brandid=4463&uid=1019027291&mi=5471628&mfqid=26491997&ptid=0&ps=48003


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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